Entregadores de App Querem Entrar em Greve. Entenda Por Que

Nos últimos anos, o Brasil tem sido palco de um debate em crescimento sobre as condições de trabalho e remuneração dos motoristas de aplicativos. Com a disseminação de serviços como Uber, 99, Cabify e tantos outros, a indústria de transporte por aplicativo se tornou uma parte fundamental da economia e da vida cotidiana dos brasileiros.

No entanto, à medida que essa indústria cresceu, também cresceram as preocupações dos motoristas sobre como eles são remunerados por seu trabalho árduo.

A remuneração dos motoristas de aplicativos é um tópico complexo e multifacetado.

De um lado, há aqueles que valorizam a autonomia proporcionada por esse modelo de trabalho, permitindo-lhes escolher quando, quanto e como trabalhar. Por outro lado, existem motoristas que buscam uma relação de trabalho mais formalizada, com registro na carteira de trabalho e benefícios trabalhistas.

Com essas questões fundamentais em mente, este artigo mergulhará profundamente no debate em torno da greve iminente dos motoristas de aplicativos no Brasil.

Analisaremos as demandas dos motoristas, o papel do governo e do Grupo de Trabalho (GT) criado para abordar essas questões, além de explorar como funcionam os pagamentos nas principais plataformas de entrega.

Ao final, teremos uma compreensão mais completa das complexidades desse debate e de seu impacto sobre um dos setores mais dinâmicos e discutidos da economia contemporânea.

As Demandas dos Motoristas

A questão central que impulsionou essa discussão é a remuneração. Os motoristas de aplicativos, também conhecidos como motoristas de ride-sharing, têm expressado suas preocupações sobre a renda que recebem por suas horas de trabalho.

Enquanto alguns valorizam a autonomia proporcionada por esse modelo de trabalho, outros buscam a formalização de sua relação com as plataformas, incluindo registro na carteira de trabalho.

Para entender as nuances desse debate, é crucial considerar as principais demandas dos motoristas:

1. Remuneração Mínima por Hora de Trabalho

Um dos principais pontos de discussão é a exigência de uma remuneração mínima por hora trabalhada.

Os motoristas argumentam que o pagamento por hora é essencial para garantir que eles possam sustentar suas famílias e cobrir os custos de operação de seus veículos.

Atualmente, o rendimento médio dos motoristas de aplicativos varia de R$ 1.980 a R$ 3.039, de acordo com dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), de abril.

2. Regulamentação e Formalização

Outro ponto-chave é a busca por regulamentação e formalização da relação de trabalho entre os motoristas e as empresas de aplicativos.

Alguns motoristas desejam ser reconhecidos como funcionários das plataformas, o que implicaria em benefícios trabalhistas e maior segurança financeira.

Enquanto isso, as empresas argumentam que seus motoristas são autônomos e, portanto, não estão sujeitos às leis trabalhistas tradicionais.

3. Segurança e Saúde

A segurança é uma preocupação fundamental para os motoristas de aplicativos, que muitas vezes enfrentam longas jornadas nas ruas das cidades.

A exposição a riscos no trânsito e a necessidade de acelerar para atender às demandas dos clientes aumentam o risco de acidentes.

Os motoristas buscam medidas de segurança, incluindo a possibilidade de acesso a planos de saúde que cubram acidentes de trabalho.

O Papel do Governo e o Grupo de Trabalho (GT)

Para lidar com essas questões complexas, o governo federal criou um Grupo de Trabalho (GT) encarregado de elaborar uma proposta de regulamentação para o mercado de trabalho dos motoristas de aplicativos.

O prazo inicialmente estabelecido para o GT terminou em 30 de setembro, mas ainda não houve uma definição sobre seu futuro.

O GT e as Demandas dos Motoristas

O GT tem sido uma arena para representantes dos motoristas de aplicativos e empresas discutirem essas demandas.

O foco principal dos profissionais envolvidos é a garantia de uma remuneração mínima e medidas de segurança.

O representante dos motoboys no GT, Edgar da Cunha, conhecido como “Gringo,” destacou que essas são as principais prioridades dos motoristas.

Como Funcionam os Pagamentos nos Aplicativos de Entrega

Para entender melhor o contexto em que os motoristas de aplicativos operam, também é importante analisar como os pagamentos funcionam nas plataformas de entrega, como iFood, Rappi e Zé Delivery.

Enquanto esses serviços são diferentes dos serviços de transporte de passageiros, os debates sobre remuneração e segurança se estendem a todas as categorias de motoristas em aplicativos.

iFood: Modelos de Remuneração

O iFood, um dos maiores players no mercado de entrega de comida, adota dois modelos de remuneração.

No primeiro modelo, os entregadores são considerados funcionários dos restaurantes parceiros do aplicativo, e a remuneração não é feita diretamente pelo aplicativo. Isso representa a maioria das vendas da plataforma.

No segundo modelo, chamado de “full service,” os entregadores recebem com base na distância percorrida entre o restaurante e o cliente.

O valor mínimo pago por quilometragem é de R$ 1,50, e há também uma remuneração mínima de R$ 6,50 por entrega. O iFood assegura que 100% das gorjetas são repassadas aos entregadores e que nenhum valor é retido do pagamento dos profissionais.

Rappi: Algoritmo de Remuneração

A Rappi utiliza um algoritmo próprio para calcular o pagamento dos motoboys, considerando diversos fatores, como dia da semana, hora do dia, distância da rota e tipo do pedido.

O valor é informado aos profissionais, que têm a opção de aceitar ou recusar a viagem. Além disso, a empresa garante que 100% das gorjetas são repassadas aos entregadores. Não há um valor mínimo estipulado para a remuneração.

Zé Delivery: Modelo Intermediário

O Zé Delivery, uma plataforma de entrega de bebidas, atua de forma intermediária, conectando pontos de venda de bebidas aos clientes. Nesse modelo, a empresa não faz repasses diretos aos entregadores, e a remuneração é definida por cada ponto de venda. A única regra é que o ponto de venda não esteja a mais de 5 quilômetros de distância do cliente final.

 

Por que a Greve?

 
O principal motivo que levou os entregadores de aplicativos a considerar a greve é a questão da remuneração.
 
Eles buscam um pagamento mínimo por hora logada, que é o tempo em que estão disponíveis para aceitar corridas, e suas demandas são claras: R$ 35,76 por hora logada para motoristas e motociclistas, e R$ 29,63 para ciclistas.
 
No entanto, as empresas têm oferecido uma remuneração significativamente menor, com propostas de apenas R$ 17 por hora trabalhada para motoristas e até R$ 7 para ciclistas.
 

Hora Logada vs. Hora Trabalhada

 
Uma das principais discordâncias nessa discussão gira em torno da diferença entre “hora logada” e “hora trabalhada”.
 
A hora logada começa quando o entregador se conecta à plataforma e está disponível para aceitar pedidos.
 
Em contraste, a hora trabalhada é contabilizada apenas quando o entregador está efetivamente transportando um cliente ou mercadoria.
 
Os entregadores insistem na remuneração com base na hora logada, argumentando que reflete melhor a realidade de seu trabalho. As empresas, por outro lado, alegam que essa abordagem é inviável devido à disponibilidade dos entregadores em várias plataformas simultaneamente.
 

A Situação Atual e as Demandas dos Entregadores

 
Os entregadores relatam que, em média, o pagamento por hora logada diminuiu drasticamente após a popularização dos aplicativos, caindo para cerca de R$ 10 em 2023.
 
Uma pesquisa da Universidade de Oxford revelou que os principais aplicativos de entrega não garantem o pagamento mínimo de R$ 6 por hora, equivalente ao salário mínimo.
 
Além disso, o estudo identificou que nenhuma empresa oferece condições de trabalho justas, incluindo treinamento e fornecimento de equipamentos de segurança e saúde.
 

O Papel do Governo e das Empresas

 
O governo brasileiro tem mediado as negociações entre entregadores e empresas por meio de um grupo de trabalho criado em maio. No entanto, as negociações encerraram-se no início de setembro sem um acordo entre as partes.
 
Além da remuneração, questões como contribuição para a Previdência, benefícios como vale-seguro e vale-refeição, e indenização pelo uso dos veículos também foram discutidas.
 

O Futuro da Luta dos Entregadores

 
Diante do impasse, o Ministério do Trabalho indicou a intenção de apresentar um projeto de lei ao Congresso Nacional até o final de setembro. Embora os detalhes ainda não tenham sido divulgados, a proposta prevê uma remuneração mínima de R$ 30 por hora trabalhada para motoristas de carros e R$ 17 para motociclistas, o que não atende às demandas dos entregadores que defendem a hora logada.
 
A greve marcada para o dia 29 visa a pressionar o governo antes da apresentação desse projeto de lei. Os entregadores têm expressado descontentamento com a posição oficial em várias ocasiões.
 
A luta dos entregadores de aplicativos no Brasil destaca as complexas questões em torno do trabalho nas economias digitais e a busca por condições mais justas. Enquanto as negociações continuam e o governo se prepara para apresentar um projeto de lei, a batalha por melhores condições de trabalho e remuneração permanece no centro das preocupações desses trabalhadores essenciais que desempenham um papel vital na economia do país.

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